Olá! Essa é a segunda parte da história. Demorei uns dias, mas aqui está. Se você tiver chegado agora, é interessante ler a parte 1 AQUI .
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L espancava o
teclado freneticamente tentando pôr em dia o trabalho atrasado. Os pensamentos
iam e voltavam daquela manhã no banheiro. Não era assim tão difícil aceitar que
uma pessoa que empurrava
para dentro do seu corpo um punhado de comprimidos todas as manhãs acabasse por sentir algum
efeito colateral. Só podia ser isso. Estava mexendo com o cérebro, e o cérebro estava
reagindo. Existia L , só L e K não passava de um sonho.
L levantou o
olhar da tela. Cruzou, de novo, com o
olhar de P. Era a terceira vez que isso acontecia.
-Que foi? –
Perguntou.
-Que foi o
quê?- Retorquiu P.
-Por que você
tá me olhando desse jeito estranho?
-Não estou te
olhando de um jeito estranho, só estou te achando diferente e não sei dizer por quê.
L não
respondeu. Levantou e foi pegar um café. Um café era o que precisava. No
caminho passou pela porta de vidro do chefe, J. Mas o quê? Voltou um passo. Uma
jovem oriental o observava na porta. Mas era um reflexo? Parecia um reflexo. Ou
estava dentro da sala? Esticou a mão trêmula e abriu a porta. J, sentado, não
levantou os olhos do computador.
-Diga!
-Estou
procurando a japonesa.
J olhou para
ele por cima dos óculos.
-Que
japonesa?
-A que estava
aqui com você.
-Não tem
japonesa nenhuma aqui – E voltou a olhar para a tela.
L permaneceu
alguns segundos ali sem saber o que fazer, deu uma boa olhada no interior da sala.
Nada. Então fechou a porta devagar. Quando a porta encostou no batente, foi
soltando levemente o trinco para não fazer barulho. Um reflexo?
-Que feio!
L ouviu
claramente. Era a voz de K. Mas em vez da garota de olhos azuis, uma jovem oriental ria
para ele a partir da porta. E se eu apenas
ignorar?- pensou.
-E como é que
se ignora alguém que está dentro de você?- Perguntou com um ar divertido.
L deu dois
passos atrás, o coração batia acelerado e ele sentia que podia desmaiar. Estava
louco? A depressão tinha se tornado esquizofrenia? Já lera que as doenças
mentais não eram exatamente campos fechados e que dentro de certos limites
alguns sintomas podiam ser compartilhados por distúrbios diferentes. Bipolares,
borderliners e esquizofrênicos andavam muito próximos uns dos outros e todos
podiam ter delírios e alucinações. Certo, isso ele sabia. Então era melhor não
se entregar à paranoia. Estava tendo alucinações, era sua mente buscando um
refúgio fora da realidade. Não existiam duas Ks.
-Não existem
mesmo, eu sou a única.
E se ele
fosse visto falando sozinho? Aí sim iam achar que estava louco. Correu para o
banheiro. Lá dentro, a K japonesa
o esperava no espelho.
-Estou tendo
uma alucinação – repetiu para si mesmo- você é fruto da minha cabeça, é uma
reação do meu cérebro aos remédios.
-Não meu bem.
Eu existo, estou bem aqui e vou sair. Eu esperava poupar a nós dois de um
conflito desgastante, mas você não me deixa outra opção.
-Olha
alucinação número 2, eu sei que você é fruto da minha doença...
-Você não é
doente. Os doentes estão lá fora. Você simplesmente não aceita a realidade e
cria essas limitações todas para a nossa vida. Isso nos deixa infelizes, mas o
que você não entende L é que não precisamos disso.
-Hoje de manhã tinha tinha olhos azuis, agora é uma japonês...
-Chinesa. –Atalhou
K.
-Tanto faz.
Você não é real. Então escute cérebro, eu sei que você está puto da cara
comigo, que os remédios estão te afetando, mas o que eu quero é equilibrar
nossa química cerebral, assim que isso acontecer, eu volto a ter uma vida
normal.
-Normal?
Normal é você se recolher, e me deixar organizar essa bagunça que você fez. Eu
tentei chamar a sua atenção várias vezes, mas você não me ouviu.
-“Várias
vezes”? Eu só soube de você hoje de manhã.
-Hoje de
manhã? Não.Por favor! Vai dizer que não notou as mudanças físicas?
Ele notara.
Sentia uma dor estranha logo abaixo do umbigo que irradiava para a lateral do
corpo e para as costas. Era como se algo, dois ganchos, o puxassem para baixo.
E sentia uma ardência no peito, seus mamilos estavam inchados e ele tinha uma
vontade quase irresistível de espancar estranhos na rua.
L levantou as
mãos quase inconscientemente para os seios. Encheram-nas. K deu um
sorrisinho sacana. A respiração de L estava rápida, ele engolia o ar em
golfadas, mas era como se não conseguisse respirar. Sentia-se um peixe que
acabara de ser tirado da água. Firmou os olhos e viu além de K o seu próprio reflexo.
Estava diferente, muito diferente do que jamais fora. Os olhos estavam mais afastados, e muito maiores. Os lábios não eram finos,
nem havia sardas no rosto. K o observava divertida. Seu olhar o desnudava,
sentia os pelos eriçados, uma mistura estranha de pavor e desejo. Os bicos dos
seus mamilos se elevavam intumescidos por entre seus dedos, e era como se suas
pernas estivessem derretendo, enquanto um rio represado forçava a saída por
entre elas. L gemia e o suor inundava seus olhos irritando-os de leve.
Agora a respiração estava mais suave, alongada e com pausas mais distribuídas. L fixou-se no
riso sensual de K.
-Está
sentindo L? Isso é a vida libertando-se. Vida L!
L abriu a
porta do banheiro, meio cambaleante, com uma mão sobre o seio. Encostou-se na
parede do depósito tentando recuperar o fôlego. Alguém se aproximava, tentou
aprumar-se. Era P.
-Olha –
começou P- quero me desculpar com você.
-Tudo bem.
Não tem problema, as coisas andam estranhas ultimamente, e nem eu me entendo.
-Sabe- continuou
P com um olhar que L não conseguia decifrar- a gente trabalha juntos faz um
tempão, e tem umas coisas que eu nunca te disse.
L começou a
suar de novo. O que aquele cara queria com ele? Sentia medo, e junto com o medo
algo ainda mais indecifrável que o olhar de P.
-Olha, L, eu
sei que você está tendo dias ruins, mas quero que você saiba que estou ao seu lado.
Não me julgue, por favor, mas tenho pensado muito em você ultimamente.
-Pensado em
mim? Como assim P?
-Ora, você
sabe, eu percebo seu olhar.
-Eu não sei
nada! E é você que estava olhando estranho para mim hoje.
-Escuta,
vamos ser sinceros, você e eu, eu acho
você muito atraente e...
L empurrou P
com toda força. O outro bateu na parece do outro lado do corredor, e ficou ali
olhando-o com os olhos esbugalhados e um esgar nos lábios emoldurados por um
cavanhaque bem aparado. P tentou dizer alguma coisa, mas L saiu correndo pelo corredor,
pela porta do escritório, pela rua. Cinco quadras depois L ainda corria. Alguém
grita. Pneus derrapam, um cão late. O mundo gira, sobe e desce. Um baque surdo.
O céu azul vai se fechando, até que tudo dorme numa escuridão sem vozes.
Parte Final
Parte Final
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