domingo, 25 de março de 2018

Me Deixe Sair! PARTE 2


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Olá! Essa é a segunda parte da história. Demorei uns dias, mas aqui está. Se você tiver chegado agora, é interessante ler a parte 1 AQUI . 
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L espancava o teclado freneticamente tentando pôr em dia o trabalho atrasado. Os pensamentos iam e voltavam daquela manhã no banheiro. Não era assim tão difícil aceitar que uma pessoa que empurrava para dentro do seu corpo um punhado de comprimidos todas as manhãs acabasse por sentir algum efeito colateral. Só podia ser isso. Estava mexendo com o cérebro, e o cérebro estava reagindo. Existia L , só L e K não passava de um sonho.

L levantou o olhar da tela. Cruzou, de novo, com o olhar de P. Era a terceira vez que isso acontecia.
-Que foi? – Perguntou.
-Que foi o quê?- Retorquiu P.
-Por que você tá me olhando desse jeito estranho?
-Não estou te olhando de um jeito estranho, só estou te achando diferente e não sei dizer por quê.
L não respondeu. Levantou e foi pegar um café. Um café era o que precisava. No caminho passou pela porta de vidro do chefe, J. Mas o quê? Voltou um passo. Uma jovem oriental o observava na porta. Mas era um reflexo? Parecia um reflexo. Ou estava dentro da sala? Esticou a mão trêmula e abriu a porta. J, sentado, não levantou os olhos do computador.
-Diga!
-Estou procurando a japonesa.
J olhou para ele por cima dos óculos.
-Que japonesa?
-A que estava aqui com você.
-Não tem japonesa nenhuma aqui – E voltou a olhar para a tela.
L permaneceu alguns segundos ali sem saber o que fazer, deu uma boa olhada no interior da sala. Nada. Então fechou a porta devagar. Quando a porta encostou no batente, foi soltando levemente o trinco para não fazer barulho. Um reflexo?
-Que feio!
L ouviu claramente. Era a voz de K. Mas em vez da garota de olhos azuis, uma jovem oriental ria para ele a partir da porta. E se eu apenas ignorar?- pensou.
-E como é que se ignora alguém que está dentro de você?- Perguntou com um ar divertido.

L deu dois passos atrás, o coração batia acelerado e ele sentia que podia desmaiar. Estava louco? A depressão tinha se tornado esquizofrenia? Já lera que as doenças mentais não eram exatamente campos fechados e que dentro de certos limites alguns sintomas podiam ser compartilhados por distúrbios diferentes. Bipolares, borderliners e esquizofrênicos andavam muito próximos uns dos outros e todos podiam ter delírios e alucinações. Certo, isso ele sabia. Então era melhor não se entregar à paranoia. Estava tendo alucinações, era sua mente buscando um refúgio fora da realidade. Não existiam duas Ks.

-Não existem mesmo, eu sou a única.

E se ele fosse visto falando sozinho? Aí sim iam achar que estava louco. Correu para o banheiro. Lá dentro, a K japonesa o esperava no espelho.

-Estou tendo uma alucinação – repetiu para si mesmo- você é fruto da minha cabeça, é uma reação do meu cérebro aos remédios.
-Não meu bem. Eu existo, estou bem aqui e vou sair. Eu esperava poupar a nós dois de um conflito desgastante, mas você não me deixa outra opção.
-Olha alucinação número 2, eu sei que você é fruto da minha doença...
-Você não é doente. Os doentes estão lá fora. Você simplesmente não aceita a realidade e cria essas limitações todas para a nossa vida. Isso nos deixa infelizes, mas o que você não entende L é que não precisamos disso.
-Hoje de manhã tinha tinha olhos azuis, agora é uma japonês...
-Chinesa. –Atalhou K.
-Tanto faz. Você não é real. Então escute cérebro, eu sei que você está puto da cara comigo, que os remédios estão te afetando, mas o que eu quero é equilibrar nossa química cerebral, assim que isso acontecer, eu volto a ter uma vida normal.
-Normal? Normal é você se recolher, e me deixar organizar essa bagunça que você fez. Eu tentei chamar a sua atenção várias vezes, mas você não me ouviu.
-“Várias vezes”? Eu só soube de você hoje de manhã.  
-Hoje de manhã? Não.Por favor! Vai dizer que não notou as mudanças físicas?

Ele notara. Sentia uma dor estranha logo abaixo do umbigo que irradiava para a lateral do corpo e para as costas. Era como se algo, dois ganchos, o puxassem para baixo. E sentia uma ardência no peito, seus mamilos estavam inchados e ele tinha uma vontade quase irresistível de espancar estranhos na rua.

L levantou as mãos quase inconscientemente para os seios. Encheram-nas. K deu um sorrisinho sacana. A respiração de L estava rápida, ele engolia o ar em golfadas, mas era como se não conseguisse respirar. Sentia-se um peixe que acabara de ser tirado da água. Firmou os olhos e viu além de K o seu próprio reflexo. Estava diferente, muito diferente do que jamais fora. Os olhos estavam mais afastados, e muito maiores. Os lábios não eram finos, nem havia sardas no rosto. K o observava divertida. Seu olhar o desnudava, sentia os pelos eriçados, uma mistura estranha de pavor e desejo. Os bicos dos seus mamilos se elevavam intumescidos por entre seus dedos, e era como se suas pernas estivessem derretendo, enquanto um rio represado forçava a saída por entre elas. L gemia e o suor inundava seus olhos irritando-os de leve. Agora a respiração estava mais suave, alongada e com pausas mais distribuídas. L fixou-se no riso sensual de K.

-Está sentindo L? Isso é a vida libertando-se. Vida L!

L abriu a porta do banheiro, meio cambaleante, com uma mão sobre o seio. Encostou-se na parede do depósito tentando recuperar o fôlego. Alguém se aproximava, tentou aprumar-se. Era P.

-Olha – começou P- quero me desculpar com você.
-Tudo bem. Não tem problema, as coisas andam estranhas ultimamente, e nem eu me entendo.
-Sabe- continuou P com um olhar que L não conseguia decifrar- a gente trabalha juntos faz um tempão, e tem umas coisas que eu nunca te disse.
L começou a suar de novo. O que aquele cara queria com ele? Sentia medo, e junto com o medo algo ainda mais indecifrável que o olhar de P.
-Olha, L, eu sei que você está tendo dias ruins, mas quero que você saiba que estou ao seu lado. Não me julgue, por favor, mas tenho pensado muito em você ultimamente.
-Pensado em mim? Como assim P?
-Ora, você sabe, eu percebo seu olhar.
-Eu não sei nada! E é você que estava olhando estranho para mim hoje.
-Escuta, vamos ser sinceros, você e eu,  eu acho você muito atraente e...

L empurrou P com toda força. O outro bateu na parece do outro lado do corredor, e ficou ali olhando-o com os olhos esbugalhados e um esgar nos lábios emoldurados por um cavanhaque bem aparado. P tentou dizer alguma coisa, mas L saiu correndo pelo corredor, pela porta do escritório, pela rua. Cinco quadras depois L ainda corria. Alguém grita. Pneus derrapam, um cão late. O mundo gira, sobe e desce. Um baque surdo. O céu azul vai se fechando, até que tudo dorme numa escuridão sem vozes.

Parte Final

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